TEMA 3
CIDADANIA E
DIREITOS CULTURAIS
Foco: Garantia do pleno exercício dos
direitos culturais e consolidação da cidadania, com atenção para a diversidade
étnica e racial.
3.1- Democratização e ampliação do
acesso à cultura e descentralização da rede de equipamentos, serviços e espaços
culturais, em conformidade com as convenções e acordos internacionais1
A Constituição brasileira, embora cite
explicitamente os direitos culturais, não chega a detalhá-los. Contudo,
analisando os vários documentos internacionais da ONU e da Unesco já
reconhecidos pelo Brasil, e a própria CF/88, pode-se concluir que os direitos
culturais são os seguintes: direito à identidade e à diversidade cultural;
direito à participação na vida cultural (que inclui os direitos à livre
criação, livre acesso, livre difusão e livre participação nas decisões de
política cultural); direito autoral e direito/dever de cooperação cultural
internacional.
O direito à identidade e à
diversidade cultural, que nasce durante o século
XVIII no âmbito dos Estados nacionais, é elevado ao plano internacional após a
Segunda Guerra Mundial, quando ocorrem verdadeiros saques ao patrimônio
cultural dos países ocupados. Em 1954 a Unesco proclama a Convenção sobre a Proteção dos Bens Culturais em caso de Conflito
Armado, documento em que os Estados se comprometem a respeitar os bens
culturais situados nos territórios dos países adversários, assim como a
proteger seu próprio patrimônio em caso de guerra.
O movimento ecológico, que ganhou
ímpeto a partir da década de 1970, também contribui para a elevação desse
direito ao plano mundial. Em 1972 a Unesco aprova a Convenção sobre a Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, onde se considera que a
deterioração e o desaparecimento de um bem natural, ou cultural, constituem um
empobrecimento do patrimônio de todos os povos do mundo.
O vínculo entre patrimônio cultural e
ambiental é reforçado na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2001), que diz ser a diversidade cultural, para o gênero humano,
tão necessária quanto a diversidade biológica para a natureza. Por isso deve
ser reconhecida e consolidada em beneficio das gerações presentes e futuras.
Situação específica é a dos países onde
existem minorias étnicas, religiosas e lingüísticas. Nesse caso, o artigo 27 do Pacto dos Direitos Civis e
Políticos (1966) garante aos membros desses grupos o
direito de ter sua própria vida cultural, professar e praticar sua própria
religião e usar sua própria língua. Em 1992 a ONU aprofunda esses princípios naDeclaração
sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes às Minorias Nacionais, Étnicas,
Religiosas e Lingüísticas, na qual se formula a obrigação dos Estados de
proteger a identidade cultural das minorias existentes em seus territórios.
Também cabe destacar a Recomendação
sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (1989). Considerando que a cultura popular deve ser protegida por
e para o grupo cuja identidade expressa, e reconhecendo que as tradições
evoluem e se transformam, essa Recomendação insiste, basicamente, na
necessidade dos Estados apoiarem a investigação e o registro dessas
manifestações. Não obstante, temendo que a cultura popular venha a perder seu
vigor sob a influência da indústria cultural, recomenda-se aos Estados que
incentivem a salvaguarda dessas tradições não só dentro das coletividades das
quais procedem, mas também fora delas.
Finalmente, cabe citar a Convenção sobre a Proteção e a
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Esse documento chama a atenção para a necessária integração da
cultura nos planos e políticas nacionais e internacionais de desenvolvimento e
reafirma o direito soberano dos Estados de implantar políticas de proteção e
promoção da diversidade cultural em seus respectivos territórios.
O direito à livre participação na
vida cultural foi proclamado no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948): toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida
cultural da comunidade, de gozar das artes e de aproveitar-se dos progressos
científicos e dos benefícios que deles resultam. Analisando documentos
posteriores, pode-se subdividir o direito à participação na vida cultural em
quatro categorias: direito à livre criação, livre fruição, livre difusão e livre
participação nas decisões de política cultural.
A Recomendação sobre o Status do
Artista (1980), que trata da liberdade de criação,
convoca expressamente os Estados a ajudar a criar e sustentar não apenas um
clima de encorajamento à liberdade de expressão artística, mas também as
condições materiais que facilitem o aparecimento de talentos criativos.
No que diz respeito à difusão, o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (1966) assegura a todas as
pessoas a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de
qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras,
verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro
meio de sua escolha. Excetuam-se os casos que envolvem a reputação das demais
pessoas e as manifestações contrárias aos princípios fundamentais dos direitos
humanos, tais como a propaganda a favor da guerra e a apologia ao ódio
nacional, racial ou religioso.
Por fim, a Declaração do México sobre as
Políticas Culturais (1982) postula a ampla
participação dos indivíduos e da sociedade no processo de tomada de decisões
que concernem à vida cultural. Para tanto, recomenda-se multiplicar as ocasiões
de diálogo entre a população e os organismos culturais, por meio da
descentralização das políticas de cultura.
O direito autoral foi internacionalmente reconhecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 27) e, mais tarde, na Convenção Universal sobre Direito de Autor (1952). Esse direito permeia a criação, a produção, a
distribuição, o consumo e a fruição dos bens culturais, e está na base de todas
as cadeias econômicas da cultura. Fundamenta-se na ideia de que a propriedade
sobre a criação intelectual e artística é a mais legítima e a mais pessoal das
propriedades, porque as obras, além da dimensão material, têm uma dimensão
moral, são como emanações da personalidade dos autores. Entretanto, o direito
autoral não é puramente individual, porque depois de certo tempo as obras caem
em domínio público, ou seja, passam a pertencer a toda a sociedade. O interesse
social termina por prevalecer sobre o individual. Hoje, na sociedade da
informação e do conhecimento, o direito autoral vem sendo bastante questionado.
Pergunta-se se é possível coexistirem o direito autoral e a rede mundial de
computadores (Internet), que permite uma inédita reprodução de textos, sons e
imagens. Os especialistas respondem que sim, é possível, mas que para isso o
direito autoral terá de renovar-se e até mesmo utilizar-se das novas
tecnologias para proteger os autores e suas obras. Nessa renovação o direito
autoral terá de harmonizar-se com o direito à participação na vida cultural,
para que a liberdade de acesso e a exclusividade de utilização das obras –
princípios, respectivamente, da sociedade da informação e do direito autoral –
possam coexistir e equilibrar os interesses públicos e particulares envolvidos.
O direito/dever de cooperação
cultural internacional foi proclamado na Declaração de Princípios da Cooperação Cultural Internacional (1966): a cooperação cultural é um direito e um dever de todos os
povos e de todas as nações, que devem compartilhar o seu saber e os seus
conhecimentos, diz seu artigo quinto. Essa Declaração considera o intercâmbio
cultural essencial à atividade criadora, à busca da verdade e ao cabal
desenvolvimento da pessoa humana. Afirma que todas as culturas têm uma
dignidade e um valor que devem ser respeitados e que é através da influência
que exercem umas sobre as outras que se constitui o patrimônio comum da
humanidade.
O vínculo entre os direitos à
identidade e à cooperação é profundo. Se, por um lado, é reconhecido o direito
de cada povo defender seu próprio patrimônio, de outro, esses mesmos povos têm
o dever de promover o intercâmbio entre si. Em suma, nenhum país, região, grupo
étnico, religioso ou lingüístico poderá invocar suas tradições para justificar
qualquer tipo de agressão, pois acima dos valores de cada um está o patrimônio
comum da humanidade, cujo enriquecimento se dá na mesma proporção em que o
intercâmbio cultural é incrementado.
3.2- Diversidade cultural,
acessibilidade e tecnologias sociais
Os museus e instituições culturais,
desde a segunda metade do século xx, movem esforços para afirmar seu caráter de
agente de desenvolvimento social negando sua ligação original com as elites e
com o poder, por meio do trabalho centrado no indivíduo e nas comunidades. As
pessoas com deficiência, que durante séculos foram excluídas do convívio em
sociedade, hoje representam uma população social e economicamente ativa que vem
conquistando espaço na mídia, no ambiente acadêmico, no poder público e nas
manifestações culturais, contribuindo para novas formas de concepção de
produtos e serviços que privilegiem a diferença, a ergonomia, a melhoria de
qualidade de vida e a acessibilidade.
O Movimento de Inclusão Social liderado
por pessoas com deficiência, em várias partes do mundo desde a década de 1980,
vem sendo considerado um dos mais ativos e militantes por autores e jornalistas
da área de ciências políticas. Com inspiração na Declaração Internacional de
Direitos Humanos, esse movimento já conseguiu a promulgação de um número
significativo de declarações, leis, normas, estatutos e outras conquistas
políticas em relação aos direitos de seus pares.
As pessoas com deficiência e com
mobilidade reduzida, como a população de terceira idade, representam hoje um
público potencial para os espaços culturais. Importantes universidades, centros
de pesquisas e instituições culturais internacionais realizam trabalhos e
propostas de mediação participativa, estratégias de acolhimento e roteiros de
visita destinados a diferentes interesses nos imponentes edifícios dos museus.
Em grande parte dos espaços culturais dos continentes europeu e norte-americano
é possível verificar a existência de sólidos programas de acessibilidade para
esse público.
Também é necessário considerar que
todos nós, independente de classe social ou desenvolvimento intelectual, somos
potenciais pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.
Além do aumento da expectativa de vida
que traz consigo dificuldades de locomoção, doenças mentais e perda progressiva
dos sentidos, a violência urbana e a dinâmica das metrópoles colocam nossos
corpos em situações de risco que podem causar perda de visão, audição,
mobilidade e saúde mental.
É possível notar o grande número de
jovens com deficiência física que adquiriram deficiência em acidentes de
automóvel ou na prática de esportes ‘radicais’, o aumento do número de pessoas
com deficiência visual causadas por balas perdidas ou assaltos à mão armada e o
aumento de pessoas com paralisias por conta de doenças cardiovasculares
impulsionadas pelo estresse da vida cotidiana.
Encontrar caminhos para inclusão de
pessoas com deficiência nos espaços culturais é garantir que todos aqueles que
tenham desejo de se beneficiar deste equipamento não sejam excluídos por conta
de diferentes formas de locomoção, cognição e percepção2.
A acessibilidade é uma das questões
centrais para a qualidade de vida e o pleno exercício da cidadania das pessoas
com deficiência. As instituições culturais no país precisam obedecer às leis
existentes a esse respeito. Ou seja, têm que eliminar as barreiras ao acesso
físico das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. O acesso dessas
pessoas aos espaços culturais, seus acervos e atividades deve ser viabilizado
de duas maneiras: adaptar o espaço físico para essas pessoas; e oferecer bens e
atividades culturais em formatos acessíveis3.
A linguagem gestual, no Brasil
conhecida como LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais), e o sistema Braille de
leitura são exemplos de como as tecnologias sociais podem contribuir para a
ampliação do acesso cultural e integração social das pessoas com deficiência.
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